segunda-feira, 26 de abril de 2010

O ouvido esquerdo


Não raramente , ouço uma canção e são meus olhos que aplaudem com lágrimas. Nem sempre a boca é capaz de expressar as emoções. Aliás, eu acho mesmo que boca só expressa emoção não tão emocionante.
Eu quando ouço canções, choro. Não cabe em mim tanta beleza e é preciso derramar.
Não posso permitir que as pessoas que eu amo evaporem ilesas de acordes casados com determinadas palavras na voz de determinados intérpretes. É a poesia da comunhão. Quem não acredita em Deus, tenho certeza que com certas canções abrem-se à beleza da dúvida.
Depois de passado o êxtase da beleza eu continuo o pranto. Agora egoísta, é verdade.
Tenho consciência de que também irei.E neste dia restarão muitas canções ainda desconhecidas . Canções que me doem desde hoje a hipótese de não conhecer. E quantos serão os compositores e intérpretes que ainda nem nasceram e que não poderei esperar.
Eu que me vejo um pedacinho de Deus, antecipo minhas preces suplicando que eu seja o Seu ouvido. Mas há ressalvas. Quero ser o ouvido esquerdo, aquele que ouvirá as canções que ainda não existem.
Ele que é Deus e paciente que seja o ouvido direito para suportar tanta palavra impensada de seus filhos.
Eu sou humana. Sou egoísta. E só pretendo ser o ouvido esquerdo de Deus.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sobre amores e cajus


Sabia amor que um cajueiro demora até cinco anos para dar frutos?


Eu esperei. Não que tenha esperado com afinco. Eu joguei a semente na terra e reguei por muito tempo aguardando um sinal, mas eu não conseguia observar as raízes se espreguiçando na terra.


Meu cajueiro tornou-se uma lembrança cada vez mais distante. Raramente eu olhava o frágil caule quase desfolhado . Confesso que sempre confiei na chuva.


Existem outras árvores na vida, meu amor! E quando eu sentia tédio eu esparramava sementes pra me distrair.


Nem tudo vingou no meu pomar. Algumas deram poucos frutos que logo apodreciam e não era viável investir tempo e amor em cultivá-las. Outras, apesar dos bons frutos, morrem cedo. E a gente chora feito Zezé lastimando seu pé de laranja lima.


E de caju em caju eu lembrava do meu cajueiro. E foi um dia triste quando constatei que não sabia mais onde eu havia deixado as raízes dele. E por mais que eu percorresse meu quintal eu não conseguia lembrar e nem encontrar vestígios. Eu não conhecia um pé de caju.


Eu esperava os julhos com esperança em ver algum esboço de castanhas. Mas não havia.


Nem todos os cajueiros são iguais. Do meu cajueiro muitos querem saber. Eu conto apenas pra quem possa acreditar que um cajueiro pode frutificar depois de vinte anos, no outono e inexplicavelmente na minha cama.

quarta-feira, 14 de abril de 2010